Não sei se sei muito de amor, mas cresci numa família a transbordar de amor. Amor real. Daquele que não se verbaliza, mas que se pratica todos os dias. Não havia a palavra amor nos lábios, mas haviam abraços, beijos, a obrigatoriedade de almoçar e jantar juntos e de conversar à mesa, os apertões do pai e da mãe para os filhos serem lutadores (especialmente o fogo cerrado do pai ao mais novo, que sendo homossexual teria de ser forte e não um medricas). Discutíamos e gritávamos uns com os outros porque queríamos sempre o melhor de cada um. O meu pai dizia "eu não quero que os meus filhos pensem como eu, o que eu quero é que os meus filhos pensem". A minha mãe e os seus sermões graves quando fazíamos asneira, para depois tomar em mãos as nossas trapalhadas e resolver tudo. A bofetada que levávamos eu e o meu irmão quando desatávamos a discutir um com o outro em sítios impróprios. Uma vez íamos à porrada no banco de trás e o meu pai parou o carro e obrigou-nos a sair e ir a pé para casa. Chegámos uns 30 minutos depois dele. E a minha mãe que sempre nos ensinou que não havia ligação mais pura que a minha e do meu irmão, que eramos únicos, o sangue igual. Quantas vezes dissemos coisas que não queríamos uns aos outros, para depois ir pedir desculpas. O meu pai sempre com aquele ar de homem sério adorava que eu o pegasse ao colo. No últimos anos de vida dele estava muito leve e um dia andava eu com ele ao colo e como estava a escorregar-me, dei um impulso para cima e atirei-o contra a ombreira da porta. Grande cabeçada. Quase desmaiou. E quando eu tive a primeira negativa aos quase 17 anos e o meu pai me sentou ao colo dele e eu chorei uma meia hora e ele ficou com a camisa toda molhada. E quando a minha mãe pegou fogo ao exaustor com uma frigideira de óleo que aqueceu demais e por cima do exaustor estava a coleção de isqueiros do meu pai cheios de gás (e a cozinha pegou fogo). E nós todos a apagar o fogo com baldes de água. Cresci no melhor sítio que podia ter crescido. Com dois pais imperfeitos, que se adoravam um ao outro e adoravam os filhos (o que não excluía um "corretivo" de vez em quando). Nas noites de calor, na casa do Algarve, levávamos os colchões para o terraço e ficávamos ali ao fresco. E porque me veio este chorrilho de pensamentos meio desconexos à cabeça?
Hoje foi aprovada a lei da Eutanásia. Descobri isso num blogue que visitei. E fiz um comentário que me saiu tão de dentro, que me deixou este amor com que cresci à flor da pele. Eu sou a favor da eutanásia. Dá-me muito conforto saber que se eu ou alguém que amo muito, por motivo de doença incurável e altamente danosa, não quisermos cá ficar, temos uma opção de terminar a vida sem sofrimentos desnecessários, enquanto somos nós e não a consequência da doença.
Aposto que é o confinamento que me anda a pôr desta maneira. Não havia necessidade.
Pois eu também cresci cheio de amor, com dois pais tolerantes, que sempre souberam que era diferente e que sempre me aceitaram (e se calhar tu não), que me mimavam e davam afecto. E sou contra a eutanásia. Parece que queres justificar a tua “tolerância” com o afecto que recebeste, como se os outros que não pensam como tu fossem umas pedras desprovidas de carinho na infância.
ResponderEliminarA propósito, falaste do teu avô. Falas em ti. Já te perguntaste se ele queria a eutanásia? É que não o disseste no comentário. Disseste, sim, que lhe teria sido melhor, uma vez que o vias sofrer. Que a tua mãe pedia para que Deus o levasse. E será que ele também o queria? É que a eutanásia, já que a defendes, é aceitar que o doente não a queira também; é ter de lidar com o sofrimento de quem gostamos se a sua opção é ficar por cá. Não somos nós que estabelecemos o limite dos outros, que é exactamente o que tens transparecido nas tuas palavras. Tu achas que.
Fico feliz que tenhas tido essa experiência ao crescer. E és um homem adulto e autodeterminado, podendo proceder e acreditar no que te apetece.
ResponderEliminarSe reparares bem, nunca exerci um juízo de valor sobre as tuas crenças, apenas expresso as minhas, e falo de experiências pessoas e de sentimentos relativos a essas experiências. Ou seja, acrescento outra escolha a um menu. Não digo porque é que outra perspetiva é errada, digo o que me faz sentir que a minha é correta. Não estou aqui para evangelizar ninguém. A minha opinião vale o que vale, como a tua. Sim, "eu acho que" e "tu achas que". E não me incomoda nada que toda a gente "ache que". É salutar.
No caso da eutanásia, disseste o porquê de seres contra e eu o porquê de ser a favor. Onde tu vais mais longe é no entender que qualquer argumento que eu faça tem adstrito um sentimento de superioridade, ou de inferioridade. Já não é a primeira (2ª, 3ª, 4ª) vez que fazes juízos de valor a meu respeito e das coisas que escrevo (até algumas acusações menos simpáticas). No teu entendimento, tenho intenções e comparações veladas. Só que não.
Apenas comento sem pretensões de querer agradar. Não é isso que uma caixa de comentários deve ser quanto a mim. Para dizer coisas bonitas que agradam a quem lê, vulgo “passar a mão pelo pêlo”, prefiro nada dizer, que se calhar é o que está subjacente nas tuas palavras. E sim, sinto não um complexo de superioridade, mas sim uma justificação absurda para a tua postura quanto à eutanásia: o amor na infância. Aliás, no meu blogue insinuaste que as famílias que não aceitam que o outro se possa decidir pela eutanásia são egoístas. Ficou claro. Não podemos é dizer o que queremos sem que os outros o possam interpretar. Eu interpretei-o bem.
ResponderEliminarAinda bem que a lei foi aprovada, é desumano deixar pessoas a sofrer quando já não há nada a fazer por elas, ou pessoas acamadas que nem podem coçar o nariz. Tanta gente a sofrer e as as pessoas ainda querem ver o sofrimento, deves lhe fazer bem à alma, só pode
ResponderEliminar@Mark: Uma caixa de comentário é um espaço aberto de troca de opiniões. Não exatamente de acusações. E no processo poderias reparar que aquilo de que me acusas é o teu modus operandi. O que tu achas é o que é válido, a tua análise é a correta. Tu "interpretas tudo muito bem". Garanto-te que não me levo tão a sério.
ResponderEliminar@francisco: concordo exatamente com esse ponto «é desumano deixar pessoas a sofrer quando já não há nada a fazer por elas». Se elas quiserem ter esse sofrimento, estamos cá para cuidar delas, se elas querem ir embora e não passar por isso devem poder fazê-lo.
ResponderEliminarAcabamos sempre (casamento gay, aborto, etc) por querer controlar as liberdades de terceiros.
ResponderEliminarNão consigo de todo perceber como incomoda os outros o facto de não querer viver mais. O facto de ser insuportável para mim viver.
Get a life!
Or a death.
Asa: Suave.