Quando eu era jovem e tinha um personalidade reprimida, até aí aos meus 20 e poucos anos, olhava para o meu pai que era espontâneo e feliz e achava-o super "cringe". Ele era capaz de começar a dançar na rua; agarrava na minha mãe e começava a dançar se ouvisse uma música que gostavam (ela também de personalidade reprimida, só queria era fugir dali a sete pés).
O meu pai cantava onde fosse se estivesse feliz, para cantarmos todos juntos (Ó Laurindinha vem à janela... entre outras canções) e queria ouvir a minha mãe a cantar o fado (como quando num casamento com 400 pessoas, subiu ao palco onde estavam os músicos e disse "quem canta mundo bem o fado é a minha mulher, anda cá cantar"). Eu enchia-me de vergonha e olhava de soslaio e muitas vezes perguntava-lhe se havia necessidade disso. Ele só respondia "estou a fazer mal a alguém? Se alguém se sentir incomodado há-de dizer, até lá estou só a ser alegre".
O que é certo é que hoje sou eu o "cringe". Canto na rua e nos corredores do trabalho e no balneário do ginásio e também danço na rua se por acaso algo me estimular a isso. Lembro-me, em particular, de uma vez na Suíça (quando fui visitar um amigo que lá vive, mas que trabalhava durante o dia).
Num dos meus passeios sozinho a descer Lausanne em direção ao Lago Genebra, comecei a ouvir no Spotify "Walking on Sunshine" da Katrina & The Waves. Estava um sol radioso e um céu azul e eu senti-me invadido por um sentimento de felicidade e comecei a dançar e a correr enquanto descia a rua. Umas pessoas olhavam em espanto, outras como se fosse maluco, outras sorriam com cumplicidade. Ainda me lembro hoje daquela sensação de felicidade, liberdade e gratidão pela vida que que estava a viver e foi tudo muito espontâneo.
Há quem ache que eu vivo um pouco à sombra daquilo que o meu pai foi ou acreditava ou queria para nós (família), como se a palavra dele fosse lei. Não é lei. Se é uma espécie de Herói? Sim, é. Se ele foi mitificado por mim? Não, porque a experiência não é só minha, mas de todos que se davam com ele.
O meu pai morreu, eu tinha 24 anos e creio que nunca o compreendi muito bem. Foi depois da morte dele que comecei a compreender muita coisa que me tinha escapado. A perda tem um efeito muito profundo em mim ao nível do questionamento e da descoberta (ou autodescoberta). Descobri uma coisa estupenda. O meu pai era uma pessoa simples, realizada, espontânea, com sabedoria (também era uma pessoa que dizia palavrões, falava alto, fumava, cuspia para o chão e molhava o chão todo da casa de banho a lavar a cara e não limpava).
A partir dos meus 33 anos quando comecei a ser feliz e realizado, comecei também a fazer coisas cada vez mais espontâneas e comecei a ser mais parecido com o meu pai. É bom quando os nossos pais são um referência para nós porque lhes reconhecemos sabedoria, dignidade, integridade (mesmo que a nossa relação tenha sido marcada por entropias/dificuldades em dado momento). É bom ter referências dos nossos progenitores, porque lhes reconhecemos valor intrínseco e saber que de alguma forma somos parecidos com essas pessoas que cuidaram de nós com esmero.
Hoje sou "cringe" para uma parcela do mundo exterior e está tudo bem. Por exemplo, ontem vi uma mulher a dançar no ginásio com os auriculares metidos, não sei se aquilo era uma rumba ou uma salsa. Não era muito boa a dançar, mas enquanto algumas pessoas olhavam com riso na cara, eu olhei a sorrir e fiquei absorvido por ela. Achei-a corajosa, livre e espontânea e feliz. Hoje em dia o que eu acho "cringe" não é isto. Há tanta, mas tanta coisa pior.
Diferença de opinião rocks!
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