quinta-feira, junho 27, 2019

É por isto que a Madonna ainda é relevante como voz artística.



God Control - Madonna

Esta mulher trava muitas batalhas desde 1982. A memória do povo é curta e ninguém se lembra de como era o mundo no início dos anos 80, a América puritana de Reagan ditava o passo a que o mundo se movia. Saída do midwest americano, de uma terra pequena de mentes pequenas, Madonna quis ser alguém porque sentia que não era ninguém. Com fabulosa determinação, observação estética e artística e ética de trabalho (sem dúvida os seus maiores talentos) acabou por ser alguém que parmanece na ribalta há 37 anos. Tinha algo para dizer e disse. Defendeu a auto-objectificação sexual da mulher (por si mesma e não pelos homens), a mulher como dona da sua sexualidade. Deu visibilidade aos gays como elementos válidos da sociedade. Deu visibilidade aos seropositivos como pessoas normais que precisam ainda mais do seu semelhante. Deu visibilidade à cultura negra e latina como expressão de vida e alegria - lutando ao máximo contra a xenofobia. 

Com um calculismo frio, sobube sempre que botões pressionar para fazer passar a sua mensagem. Às vezes colocando-se em posições muito vulneráveis. A polémica andou sempre lado a lado com ela e, infelizmente, tornou-se mais importante para o expectador do que a sua mensagem e a sua música. Poucos foram os que lutaram (no mundo musical) tão afincadamente pelos direitos fundamentais e liberdades individuais (John Lennon, por exemplo). Poucos foram também os que disseram que não se arrependem um milímetro das suas escolhas.

A sua última batalha e a mais cruel é a de ter o direito a não envelhecer graciosamente, de continuar a ser uma força criativa e de fazer aquilo que gosta, de ser original, de ser ela própria - fiel ao que de si imagina. O mundo não perdoa as mulheres, pior um pouco as mulheres que são independentes, poderosas e bem sucedidas, e muito pior as mulheres que são independentes, poderosas e bem sucedidas e ainda têm a ousadia de usar esse poder publicamente e esfregar na "cara" da sociedade, a sua realidade de super empreendedor. 

Ninguém bate numa Mariah Carey, numa Jennifer Lopez, porque aos 50 anos de idade, elas alinham no papel social reservado às mulheres. Não afrontam, não questionam, não discutem. Podem ser sexy e bonitase fazer tratamentos estéticos que não são escrutinadas e avaliadas como a Madonna, que questiona o patriarcado. O poder dos homens sobre as mulheres. 

A Madonna tem sido nos últimos 10 anos o saco de pancada favorito de uma sociedade com vergonha de si mesma, dos homens poderosos que querem manter o seu status quo e, pasme-se, das mulheres, o grupo por quem ela mais luta.

Madonna tem um novo álbum, tem um novo vídeo e com este vídeo mostra porque é que ainda é relevante, porque é que ainda é importante como voz artística. Um dia o mundo vai dar-lhe o reconhecimento devido. Ela nunca quis ser uma virtuosa da voz, quis ser uma voz. E esta voz continua viva por muito que a queiram parar. Como ela mesmo disse em 2016 «as pessoas dizem que sou muito controversa, mas a coisa mais controversa que fiz foi continuar por aqui (...) ainda estou de pé». 

Ela ainda está de pé. E vibra de força e determinação.

2 comentários:

Mark disse...

A parte do "patriarcado" é tão extrema-esquerda feminista. Escusado. Ao ler o teu artigo, pareceu-me estar diante de um manifesto do Bloco de Esquerda.

Estou à vontade para falar na Carey, porque já nem lhe ligo nenhuma: olha que não é verdade. Não lhe perdoam vestir-se de forma sedutora, de mostrar os seios, de ser voluptuosa, de engordar. Andas muito a leste das polémicas. Ainda há dias saíram fotos suas, ousadas, e deu que falar. E não a deixam engordar, que é logo torturada. Se me disseres que ela não pretender chocar, concordo contigo, mas não é verdade, de todo, mas de todo, que não a censurem.


Quanto à Madonna, como disse a Camille Paglia há uns anos, vendeu-se ao marketing.

silvestre disse...

Ora bem, a sociedade ocidental é "falocrata". Não sei bem o que é a extrema-esquerda feminista, mas o que sei é que a mulher é escrutinada de forma que um homem não é e tem um valor social menor (infelizmente, e com progressos bastante manhosos e curtos que fazem umas quantas pessoas ficar felizes).

Quanto à Mariah, as polémicas são apenas sobre ser gorda ou magra ou andar com mamas de fora, o ou cu não caber no vestido. Não tem uma voz social, não tem opinião política, as polémicas em que se vê metida são totalmente status quo, dentro do universo do que é esperado de uma mulher.

A Madonna não se vendeu ao marketing a madonna é "o marketing per se". Tal como a Amália é o fado, as pessoas nem se lembram do que era o fado antes da Amália. É provável que as pessoas j´nao se lembrem o que era o mundo antes da Madonna (nos EUA, há cátedras sobre isso). A Mariah e a Jennifer são cantoras/performers, que um dia mais tarde serão mais (ou menos) lembradas pelo seu trabalho. A Madonna foi um fenómeno social e cultural (remeto de novo para as tais cátedras).

A respeito da Camille Paglia, nem vale a pena falar. Já fritou a pipoca e tem estado em contradições brutais defendendo o direito do homem objectificar a mulher como expressão da "nova identidade masculina" (ver o caso Hefner) não validando, por outro lado, a auto-objectificação da mulher.

Mas podemos sempre concordar que discordamos. Eu ainda de lembro do mundo pré-madonna. Aquele tenebroso mundo Reagan/Thatcher do início dos anos 80.