Li no Sapo, um artigo de um médico de cuidados paliativos (Abel Gabejas) e tive muita dificuldade em concordar porque transforma a eutanásia como o oposto da defesa dos cuidados paliativos ou continuados.
A hipótese é "Num país onde a oferta de cuidados paliativos continua limitada, a possível legalização da eutanásia levanta uma questão preocupante: estar-se-á a propor a morte como substituto de uma presença que falha?"
Termina o artigo com "A eutanásia não é apenas uma questão de direitos individuais. É, acima de tudo, um espelho da ética coletiva que estamos dispostos a sustentar. Que tipo de sistema queremos? Um em que o sofrimento é acompanhado ou um em que o sofrimento é descartável? O sofrimento não pode ser um fim mas um meio para esta aliança de cuidado. Se não garantirmos primeiro a dignidade do cuidado oferecer a morte não será progresso, será desistência: social, institucional e ética. E eu pergunto-me: será isto realmente progresso?"
A eutanásia está a ser diabolizada. Eu tenho direito a não querer viver o resto da minha vida como um dependente ou em dor profunda (porque infelizmente ainda não há resposta para todo o tipo de dor). A eutanásia trata-se disso. A aprovação da eutanásia não impede as pessoas que querem usar cuidados continuados de os requererem. A linha da dignidade é inerente ao sujeito (como a dada altura ele diz no seu texto) e não à sociedade onde ele se insere. Para lá dos deveres da sociedade para com os seus cidadãos e da dignidade do direitos humanos que tem de ser respeitada a todo o custo, existe uma dimensão pessoal e subjetiva que tem de ser valorada.
Eu tenho de respeitar, por exemplo, uma pessoa que não quer viver tetraplégica ou dependente para o resto da vida. Há pessoas que conseguem arranjar um propósito na vida, aprendem a pintar com a boca, estudam, entre outras atividades. E fico sinceramente feliz por isto, pelas pessoas que conseguem passar pelo sofrimento sem sofrimento, reacomodando a sua vida. Mas pessoas há que vão sofrer muito emocional e psicologicamente, para quem ter alguém a alimentá-los, lavá-los, virá-los na cama, limpar as fezes, etc, é um suplício, um tormento, uma tortura.
Parecendo uma comparação tola, é como casamento gay. Os homosexuals não são obrigados a casar, mas essa decisão deve ser sua. Devem poder escolher casar ou não por isso a lei foi necessária, para haver possibilidade de escolha na gestão privada das vidas afetivas.
O que me parece mesmo tolo é reduzir a eutanásia à existência de uma sistema de cuidados paliativos ou continuados eficaz. Os países mais avançados socialmente e por isso com maior nível de progresso, permitem optar pelas duas coisas. A linha da dignidade humana definida por cada um (elaborada em função das crenças e convicções de cada um) é que vai ditar a escolha informada, que não deve ser coletiva. Quando se trata de pessoas não existe um "one fits all".
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