Talvez nunca esqueça este Outubro de 2025.
Uma vez vi um filme chamado "A tempestade perfeita" protagonizado pelo George Clooney, uma dramatização de um acontecimento real que levou ao desaparecimento de uma embarcação de pesca. Três tempestades juntaram-se dando origem à tempestade perfeita.
Nesse agosto de 2000, poucos dias depois de ver o filme, chegava à minha vida - também - a tempestade perfeita . Nunca senti um nível de dor e de impotência tão grande. Aqueles acontecimentos traumatizaram-me profundamente ao ponto de nunca mais conseguir cantar uma canção que estava sempre a cantar naquela altura, como se isso me fosse trazer um enorme azar. É estupido. Mas o cérebro não quer saber da racionalidade das coisas a maioria das vezes. Lembro-me que esse evento de 2000 levou uma grande parte da minha ingenuidade, da minha alegria; tornei-me obcecado pelo controlo de tudo o que interagia comigo.
Foram precisos alguns anos, para que eu voltasse ao normal, desgastando amizades e a vida familiar com a minha obsessão e desconfiança permanentes. Em 2006, outro evento difícil de integrar, leva-me ao ponto mais baixo da minha saúde mental. No processo de reabilitação fiz acordos comigo, coisas que nunca poderia esquecer e das quais tinha de tratar em nome próprio. Comecei - por fim - a ser verdadeiramente feliz. Fiz boas escolhas e essa felicidade durou 8 anos. Foram tempos em que estive presente e centrado.
Algures em 2014 mudei radicalmente de hábitos. Eram os tempos de novidade que se viviam e embarquei nessa onda, por curiosidade. Porque não? Pensei. Se os outros conseguem eu também consigo. A curiosidade não matou o gato, mas desorganizou o gato, que se viu em extremos onde 6 meses antes não se imaginava.
Quis voltar à minha tribo e aos meus códigos, mas algo correu mal. É quase como se as trilhas de cheiro se tivessem misturado e o caminho estava dúbio. Não encontrei a minha tribo. Apesar de achar que estava viver nela e dentro das minhas convicções. Mas estava agora num meio novo, outra geração, outro tipo de gente e a viver de acordo com eles, mas sem dominar o que estava a acontecer. Estava a construir a vida privada com uma pessoa, sem saber exatamente e que estava a fazer, acreditando que ainda era o que sempre tinha sido, a criar justificações para este "erro de casting" e os que se seguiram. É quase como se existisse a realidade e uma realidade fantasma a perpassa-la, onde eu me movia realmente.
Por força do destino, esta realidade nublada encontrou-se com a realidade real. Há pessoas que nos tocam de uma maneira em que tudo é espelho. Nesse espelho vi muitas coisas, umas mais rápido, umas mais lento e começou a partir-se essa camada de "ser" agarrada à alma antiga, o ser que final não era. A névoa dissipou-se, mas não sem dores, não sem custos irrecuperáveis. O amor tem destas coisas, o amor da nossa vida pode não ter vindo para ficar. Não deixa de ser o amor da nossa vida, deixa de ser o amor para nossa vida.
Há uns meses atrás citei aqui "A vida não começa aos 30 ou depois dos 40. Ela realmente começa quando você deixa de ser besta" e ainda "Imagina ler um livro em que nunca podes voltar à página de trás. Com que atenção lerias esse livro? Assim é a vida". E de repente aos 51, tive a certeza de que posso redefinir o momento em que passo a estar presente e consciente de novo.
A consciência é um estado tramado porque não só o desejável fica claro como cristal, como o não desejável também se evidencia, na luz nada se esconde, todas as imperfeições (das maiores às mais pequenas) estão ali visíveis. Renascer de uma morte pode ser das ironias mais cruéis que existem, mas acontece e não se está treinado para isso, para as ironias da existência, para a crueldade das assincronias. Eu pelo menos não estou preparado.
Os últimos três meses e meio foram dos meses mais tristes, mais incríveis, mais desafiantes, mais belos, mais desgastantes, mais produtivos, mais melancólicos, mais esperançados que já tive emocionalmente. Tudo ficou - de repente - tão claro que me sinto confuso, o meu cérebro não se habitua. Tenho tentado treinar o cérebro e não consigo.
Poderia ter o consolo de saber que a paz vem quando tiramos da nossa mente o que não conseguimos controlar, mas a mente é ardilosa. As opiniões das outras pessoas, as noticias, o passado, é fácil. Mas a realidade é que não estou em paz. Estou muito triste. E neste processo de luto, o presente recusa-se a ficar passado, ou melhor dito, o passado é ainda presente e não sei quanto deste passado será ainda futuro.
Os passados são tramados. Adoecem o presente. Quando a mente não consegue distinguir o que é o quê. O passado envenena o presente, e o ego reage com todos os seus medos, pânicos, inseguranças e sistemas de preservação e ataque. Dois egos em luta e lá, bem no fundo, já esquecidas pelo outro e pelo próprio, a verdadeira essência de cada um em ausência de relação, em amor solitário, em sofrimento, quando nada tinha de ser assim. E não há volta porque o ego precisa de um enredo onde é vítima injustiçada e incompreendida. Este sofrimento do ego dá um sentimento de identidade. E já nenhum se lembra que o amor não é sofrido. Que isto é tudo uma outra coisa. Nenhum fica a ser o que realmente é, e que não voltará a ser com o outro, não aqui neste tempo presente. É deste relento, que morre a conexão. Não o sentimento.
Então são tempos muito confusos. A única coisa que se procura são lugares seguros, e a única coisa segura são os amigos, os amigos que sabem tudo de nós, que ouvem tudo de nós, que nos falam qualquer coisa sem medo, mas sempre com amor. De um lugar de amor que não está sofrido, que não faz a crítica ser ataque, que não faz a análise ser julgamento. Amor simplesmente.
Mas estes tempos são confusos. No final de outubro deste ano de 2025 tive a minha nova "tempestade perfeita". A morte de uma relação (pela qual estou profundamente grato), a doença/sofrimento da mãe, a minha própria doença de novo a atacar. Não obstante, esta última relação tirou o véu que me cobria a realidade fazia tanto tempo. Estou aqui sem fantasia, sem justificações. O que é, é. O caos existe neste momento, mas o caos é apenas uma soma de coisas amalgamadas numa bola grande e assustadora. Se o cortarmos às fatias e se resolver uma coisa de cada vez, ele deixa de ser caos.
Em tempos confusos há que praticar a arte da paciência (na qual não sou particularmente dotado) e acreditar que na desordem global, sempre se criarão polos de ordem local. As leis da relatividade também se aplicam aos indivíduos, a nossa visão deve estar ciente disso. E é tudo.
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