sábado, maio 15, 2021

Bruno Nogueira sobre Maria João Abreu

«A tragédia da história da Maria João Abreu, contém nela própria uma beleza nem sempre fácil de ver nestes dias escuros.

Ao assistir às inúmeras e comovidas declarações em reação à sua morte, percebe-se que o trunfo maior que temos enquanto por cá andamos, é o de nos multiplicarmos em amor. Parece piroso, parece até um clichê, mas resume-se a isso: Multiplicarmo-nos em amor. A Maria João parece ter alimentado afetivamente os amigos certos, e preenchido o peito dos familiares com matéria prima resistente e duradoura.

É certo que uma carreira bem sucedida é sempre uma belíssima recompensa para quem trabalhou tanto como ela. Também é certo que o grande público guardará na memória os seus trabalhos de atriz nas mais variadas áreas ao longo destes muitos anos.

Mas não tenho memória de muitos artistas dizerem, em fim de vida, que deviam ter trabalhado mais e melhor. O arrependimento tem sempre que ver com o afeto, esse bicho estranho.

O que resistirá ao tempo, e a tudo o que apaga a memória, é o afeto. A família, os amigos, os que trabalharam com ela e se sentiram melhores por a terem conhecido.

Para que lado pende a balança entre legado artístico e legado afetivo? A Maria João parece ter conseguido os dois, e, acreditem, é feito raro. Enquanto escrevo isto, lembro-me do António Feio. E deu-me muitas saudades. Também ele fez dessa balança peso equilibrado.

Não conhecia pessoalmente a Maria João, e só de ver a herança emocional que ela deixou aos seus amigos e colegas, já sinto uma pena tremenda de não o ter sido também eu.

Não torna o dia claro, mas ajuda a que chova um bocadinho menos.»


Achei uma reflexão muito bonita. 

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