Tenho um colega de sala que é um reaccionário de primeira. Não compreendo estas pessoas que têm a mania de ser "a moral superior". Hoje foi sobre esse exemplo triste da democracia portuguesa que é o aborto. Ele é claramente contra a mulher poder decidir se quer ter um filho ou não. Essas assassinas que mata uma pessoa em potencial. Saltou-me a tampa e perguntei se um feto com síndrome de down também não é uma pessoa, mas essa já pode ser morta. Assim não vou ganhar muitos amigos. Ele é do CDS, o partido do outro senhor que é gay, mas que finge que não é. São moralistas, mas moral têm pouca (na minha modesta opinião).
4 comentários:
É do CDS, está tudo dito.
Eu sou contra o aborto. Mas arrepio-me com os argumentos que os partidos de direita usam...
Bom, esse teu colega terá lá as suas convicções. Tudo depende da abordagem. Se ele utiliza essa do "matar pessoas em potencial", é realmente despropositada, agressiva e, ademais, incorrecta. Um feto não é uma pessoa. A personalidade adquire-se com o nascimento completo e com vida.
Depois, há uma confusão entre aborto e interrupção da gravidez. O aborto continua a ser uma conduta tipificada no nosso Código Penal; o que temos é a interrupção não punível, que já existia, mas à qual foi aditada uma alínea que dispõe acerca da livre opção da mulher em escolher manter ou não a sua gravidez. Eu sou contra a interrupção por mera opção. Já o disse. Mas também sou contra, pegando no teu exemplo, se o feto for totalmente viável, ou seja, não concebo que se interrompa a gravidez se houver vida viável, porque é vida, e é vida humana, independentemente de não se tratar de uma pessoa. Todas as fases são instrumentais para que, nove meses depois, nasça uma pessoa. Não serias o Silvestre sem o teu 26.º ano de vida, bem como não serias sem a tua 1.ª semana de gestação, correcto? E creio que gostas de estar vivo. Pelo menos, alguns dos fetos viáveis gostariam, caso lhes fosse permitido desenvolverem-se e nascerem. Admito a interrupção estando em causa perigo para a vida da mulher, perigo para a sua integridade física, sendo a gravidez de risco, malformação do feto que o leve, após o nascimento, à morte prematura... nesses casos de extremo que, aliás, a lei contempla.
Esse teu colega, sim, será reaccionário, mas não associes todos os opositores à IVG àqueles grupos antiquados pró-vida e nem aos militantes do CDS. Garanto-te que não. Bem como os defensores não serão propriamente os evoluídos, detentores da razão. :) Há quem olhe para o direito da mulher a dispor do seu corpo e há quem olhe para a direito à vida. Temos um conflito. Compete-nos resolvê-lo. E como? Vendo qual se sobrepõe.
E não há qualquer consideração moral, acredita. Aliás, aprendi cedo que a moral não deve ser sequer ponderada quando se resolve legislar condutas. À moral, o que é da moral; ao Direito, o que é do Direito.
A postura perante a IVG é tudo. E devemos respeitarmo-nos mutuamente. Quem apoia e quem não, porque ambas as facções terão os seus fundamentos.
Todos nós temos as nossas convicções e as leis são as leis (umas vezes mais acertadas do que outras). Como dizes, a abordagem dele é deveras despropositada, mas deriva da invenção da personalidade jurídica do feto. Eu tenho respeito pela vida de modo igual. Não sou contra pessoas que são, por sua vez, contra a IVG. Para mim é o que é fundamental é que exista coerência.
Quem é totalmente contra a IGV (com a excepção de casos extremos que coloquem em risco a vida da mãe ou que tornem o feto não viável ou que conduzam à sua morte prematura) tem o meu mais profundo respeito, apesar de eu não ter a mesma opinião. Agora as pessoas como o meu colega não consigo respeitar.
Por uma questão de princípio, choca-me que a IGV seja um instrumento Eugenista. Custa-me assimilar a ideia de que a minha vida vale mais do que a de uma pessoa com paralisia cerebral ou trissomia 21 ou nanismo ou esclerose lateral amiotrófica.
Não sei se sabes mas 92% dos fetos com nanismo são abortados. Mas o meu colega se soubesse que ia ter um filho anão não hesitaria em abortar essa gravidez (e uma confortável maioria dos pró-vida). Há aqui uma grande falta de coerência que me incomoda até ao osso. Essa decisão é também uma mera opção uma vez que não há perigo de vida para a criança.
Chateia-me por isso (muito mesmo) que estas pessoas ousem falar de uma mulher/casal que na posse total das suas faculdades mentais e emocionais decidam que não querem ser pais e por isso mesmo interrompem uma gravidez.
Quanto à defesa do direito à vida poderia ir ainda mais longe. Existe uma falta de coerência brutal na maioria das pessoas que utiliza este argumento. A vida humana vale mais do que a animal? A vida animal vale mais do que a vida vegetal? Pode parecer que estou a tornar-me filosófico/existencialista no discurso, mas se um dia tivermos a oportunidade de discutir estas questões oralmente posso garantir-te que não e até teria o maior prazer.
No final concordo contigo. As pessoas devem respeitar-se mutuamente e as opções alheias que são do foro individual e não têm um impacto directo nas nossas vidas.
ps. o meu colega será mesmo um moralista, infelizmente.
Para o Direito, sim. Vale. Os animais e as plantas não têm personalidade jurídica. E faz sentido. O que seria uma árvore com direitos de personalidade!... Ou uma alface. O caso dos animais é mais complexo, dado que, por inspiração do ordenamento alemão, presumo, já vão conhecendo, e bem, uma certa transmutação para o reconhecimento de determinados direitos. Se quiseres, estão ali no "meio termo" (a criminalização do abandono e dos maus-tratos aos animais de companhia isso o demonstra).
Sei disso e, como reiterei acima, sou contra que se interrompa a gravidez estando em causa um feto viável que originará um bebé que, independemente das desordens genéticas, conseguirá sobreviver e crescer.
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