O que me leva a escrever este post é a reacção despropositada ao último vídeo de Madonna. Bitch, I'm Madonna, tem um argumento muito simples e fiel à letra da música. Fala sobre diversão até ao limite e tem sido visto como "mais um acto desesperado da cantora para parecer aquilo que não é". Esta frase foi dita e escrita por um amigo meu de 32 anos e chocou-me.
"Parecer o que não é". Fiquei a pensar nesta afirmação para ver se havia ali alguma veracidade. Ora bem, como sigo a carreira da Madonna desde 1984, o que vejo naquele vídeo é o que ela sempre foi. Na realidade só poderia ser acusada de ser constante na sua conduta. Nunca foi uma rapariga de classe, sempre utilizou imagens altamente sexualizadas, sempre foi politizada contra os padrões do moral e socialmente correcto, sempre gostou de se divertir de forma enfática exacerbando os símbolos de diversão e dominação. Tudo o que está no vídeo é a Madonna de sempre, ou seja o que sempre foi, até fisicamente: continua loira, com um corpo musculado, usa roupa justa, evidencia o peito, mostra as pernas, etc.
A única coisa que ela não era há 15, 25 ou 30 anos atrás, era uma mulher de 57 anos de idade. O problema está colocado ao contrário. Ela é o que sempre foi e recusa-se a ser aquilo que a moral social exige de mulheres da sua idade (ou seja, o que ela não é). A imagem social/pública de uma mulher a beirar os 60 anos não é aquela que tem. Contudo a dissonância cognitiva não reside nela, reside nos olhos que a observam e no conceito de dignidade etária que está logicamente desadequado e altamente informado pela moral cristã. A divergência tem de ser resolvida por nós revendo o conceito de idade e as imagens associadas ao mesmo.
Mais uma vez, Madonna continua a ser o que sempre foi: uma pioneira. E a esta altura do campeonato está sozinha, porque outras mulheres do seu tempo e do mesmo calibre se afastam da vida pública para evitar o mesmo tipo de tratamento (Sharon Stone, por exemplo). A luta é cada vez mais dura, mas como sempre a abrir portas para quem ainda não chegou onde ela está (neste caso um escalão de idade) e a desafiar os pressupostos normativos estabelecidos.
Não nos esqueçamos que no início dos anos 80 quando o mundo era ainda mais assustadoramente conservador do que é hoje, quando a Lady Diana apertava a mão de pessoas com SIDA, Madonna beijava-as publicamente na cara (ou na boca se fossem amigos); quando ainda era mal visto ser amigo de um gay, Madonna não só se mostrava em público com eles, como os empregava e falava publicamente do amor livre entre pessoas; quando o racismo ainda era um tema quente nos EUA, Madonna falava publicamente da igualdade (e em alguns casos superioridade) das raças negra ou hispânica e desafiava convenções apresentando um santo negro no vídeo Like a Prayer; quando as mulheres estavam socialmente proibidas de ser donas da sua sexualidade, Madonna trabalhava no sentido inverso esfregando a sua sexualidade/sensualidade nos olhos da América de Reagan e das feministas que mimetizavam os estereótipos masculinos como forma de poder individual.
O certo é que tem aguentado 33 anos de críticas, agora ainda mais intensas porque na sociedade ocidental as mulheres de "certa idade" devem ser respeitáveis, mas ser respeitável moralmente é uma coisa a que nunca aspirou (e duvido que algum dia aspire). Deveria estar presente nas gerações jovens a consciência de que a liberdade de expressão de modos e costumes (sexuais e sociais) que têm como certa deve muito à "velha" que hoje tem 57 anos e que, segundo alguns devia sossegar, mas não deixa de "desbravar mato" no que respeita as barreiras sociais/morais que inibem a liberdade individual e os direitos fundamentais das pessoas em geral e das mulheres em particular.
Duvido que, por vezes, não doa. Lamento que mulheres e jovens se juntem ao coro dos críticos. Como é que ela aguenta tanta porrada não sei, deve ser feita de titânio. Se calhar só há uma explicação... Bitch,.. She's Madonna!
Espero ser abençoado com o mesmo espírito inconformista e energia à medida que for envelhecendo.
9 comentários:
Tive esta discussão lá em casa, porque é que ela tendo 57 anos tem de se vestir de forma x ou y. Porque é que a partir de x idade exibir sexualidade é mau. Mas o problema está nas mentes jovens e tenho pena de uma geração gay actual que não dá valor à Madonna porque nasceu com coisas conquistadas de mão beijada que ela ajudou e muito.
Para mim ela será sempre a Madonna, apoio-a incondicionalmente.
Isso custa-me bastante. Mulheres e gays como críticos da Madonna, que foi uma espécie de fada madrinha das actuais liberdades de que desfrutamos todos. Não sei se é desconhecimento, se é ignorância ou puramente preconceito irracional.
Mas retirando a Madonna da equação a noção de adequação de comportamento a um escalão etário é estúpida depois da idade adulta.
O que não faltam são adultos estúpidos, o que não faltam são pessoas que julgam os outros, muitas vezes porque ousam vestir ou exprimir-se como eles gostariam, mas se há muito preconceito em relação a tudo na comunidade gay que se calhar devia abrir os olhos e perceber que aceitação e união deveriam ser palavras de ordem, mas não são.
Eu desde miúdo que gostei da Madonna, já a critiquei muitas vezes no sentido de ir mais na "onda" do que criar uma, mas entendo o teu ponto de vista, ela tem a idade que tem, e poderia sair de cena, e viver uma vida mais calma, e nem seria a primeira a fazê-lo.
Quando vi o video pensei "É Madonna". E olha que no inicio não gostava da música.
@nolimitedooceano: acho que o meu ponto de vista é até o contrário. ela não tem de sair de cena ou deixar de ser o que é e fazer o que faz, se se sente bem a fazê-lo. As normas são perigosas e às vezes apesar de serem a forma mais expressiva, nem representam a maioria do universo.
independentemente de se gostar ou não, o que se está assistir é um retrocesso de mentalidades, gente nova com mente de velhos conservadores e mulheres de uma certa idade que se recusam a vestir e comportar de acordo com a idade que têm. e por que é que têm de o fazer? mas têm de provar algo que não a elas próprias?
Ah, tu és "desses".
Eu acho que a Madonna pode e deve continuar a fazer o que bem entende e lhe dá na tola. Preferia era que isso fosse acompanhado por música inovadora e que não se deixasse simplesmente influenciar demasiado pelos produtores que trabalham com ela, mas pronto. Ela sempre tem marcado por abordar assuntos onde a sociedade em geral se sente pouco à vontade (o sex é um ótimo exemplo). Esta fase agora pode dar-lhe até um novo alento e servir de base para uma nova "revolução" de mentalidades. Podia lançar agora uma nova versão do livro "sex" e só lhe ficava bem tendo em conta o que defende. Quanto ao Bitch Im Madonna, acho que não está mal. Peca apenas pela falta de surpresa, porque é basicamente o que ela foi apresentar ao Jimmy Fallon e por isso, quando surgiu o video foi um bocado um momento de "ah, mas isto foi o que ela já fez antes..."
Sou sincero: não gostei da música, nem sou especialmente apreciador da Madonna. Tenho uns quantos cds dela, gosto de bastantes músicas; não gosto tanto da pessoa em si.
As críticas que lhe fazem pela idade e por se manter com uma aparência jovem e saudável assentam no preconceito, antigo!, de que as mulheres, a partir de determinada idade, têm de manter um certo recato e decoro. A mãe tem a idade da Madonna e continua a vestir-se como quer e como gosta. Sai mais do que eu e diverte-se.
A Madonna marcou uma era, incontornavelmente. Ninguém lhe tira esse mérito.
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