quarta-feira, junho 15, 2016

Dei por mim a defender o Rui Sinel de Cordes sem querer...

Durante uma acesa discussão no Facebook fui obrigado a fazer de advogado do Diabo e defender o direito do Rui Cordes a ser idiota e desagradável. Como humorista tomou a opção de seguir o caminho da piada torpe e lesiva. É um estilo. Não vou dizer que sou um seguidor, na realidade nem sabia quem ele era, e depois pela cara lá me lembrei que o vi na televisão num programa sem piada nenhuma e fui pesquisar para saber do que se falava. 

Que o tipo de humor dele seja deplorável na maioria das vezes é uma coisa, agora que a comunidade LGBT o venha crucificar porque ele foi conforme ao seu estilo de sempre num tema que nos toca a nós é que não consigo aceitar. Compreendo, mas não aceito. 

Todos nós temos telhados de vidro e todos nós contamos piadas politicamente incorrectas, a anedota que conto com mais sucesso é sobre uma menina deficiente mental que recebe um cão pelo aniversário. Toda a gente ri a bandeiras despregadas (gays incluídos), mas um dia contei ao lado de uma pessoa que tem duas irmãs com essa deficiência e ela não achou graça nenhuma.

Parece que infelizmente só sentimos o que nos toca. Fui consultar as piadas do indivíduo e ele goza com toda a gente e com tudo: o holocausto, a Ágata, o José Cid, trissomia 21, pessoas com cancro,  negros, mulheres, etc. 

Não vou dizer que o humor dele é de bom gosto, sabemos que é do pior e a imitar, em grande parte, o que o Sasha Baron Cohen já fez com o Ali G, o Borat ou o Bruno. A parte fácil é que estes eram personagens e é menos complicado dissociá-las do humorista. No caso do Rui Cordes é mais difícil, mas sinceramente não acredito que ele odeie os gays, as mulheres, a Ágata, os judeus, etc. E duvido que qualquer pessoa com inteligência tenha uma ideia diferente.

Nunca consegui rir das piadas sobre o Aqua Parque e sobre as crianças que morreram lá. Quando alguém ia contar algo eu pedia para não contar à minha frente. Já não me importei com as piadas sobre a morte da Princesa Diana. Mas suponho que a família dela não gostaria de as ouvir. 

Estou a escrever isto porque odeio hipocrisia. Quem nunca riu de uma anedota sobre negros, alentejanos, católicos, deficientes, morte da princesa Diana, etc., que atire a primeira pedra. Odeio linchamentos. Odeio o que se passou com o José Cid e o Nuno Markl, apesar de achar o José Cid uma besta, acho o Nuno Markl um bonacheirão com sentido de humor que não merece ameaças de morte a si e à sua família.

O José Cid também não merece ameaças de morte e o Rui Cordes também não. As pessoas públicas são castigadas retirando-lhes a oportunidade de serem públicas. Retirando-lhes o público e o tempo de antena, manifestando repúdio inteligente e sensato, não o que se tem visto.

Quem quer seguir o Cordes que o siga. Eu não gosto de música pimba, sei que não presta, mas não sou ninguém para dizer que alguém não deve ouvir música pimba.

Sou homossexual e estou consternado com o que aconteceu em Orlando. Já chorei, já pensei na dor das famílias que perderam entes queridos, já pensei nos animais de estimação que nunca mais vêem os seus donos e não conseguem processar o abandono, já pensei que há tanta gente que não se importaria de me matar só porque sou gay. Detesto ódios e detesto ainda mais ver a minha "comunidade" disparar ódio irreflectido a um bode expiatório porque este faz piadas imbecis e é imbecil nas atitudes que toma quando não gostam daquilo que faz. 

Amor com amor se paga, mas o fogo não se extingue com fogo.  

8 comentários:

Eolo disse...

O RSC tem um público, muitos deles homofóbicos e racistas, piadas como as que ele vê não são interpretadas como piadas mas sim como uma confirmação e valorização do seu ódio, basta ver os comentários nos jornais online.

Gosto muito de humor negro, minhas queridas Joan Rivers, Kathy Griffin e Margaret Cho, mas para o RSC, humor negro é fazer piadas de "pretos".

Podes não concordar, é perfeitamente legítimo.

silvestre disse...

@Eolo: O meu ponto tem sido precisamente esse. o problema não está com o RSC está com o público que o segue. Adoro a Joan Rivers, mas ela também se meteu em trabalhos porque não dissociaram a piada da pessoa, várias vezes. Estamos a ver o problema ao contrário. Não é o tipo que faz piadas imbecis que tem de estar sob escrutínio, são as pessoas que sentem nisso uma confirmação.

No meu trabalho já tive de lidar com a análise das caixas de comentários online e ias ficar enjoado como eu fiquei ao perceber como a sociedade portuguesa é racista e homofóbica. Não é preciso uma piada do RSC. Basta uma noticia como «mãe morre para salvar o filho no massacre de Orlando» ou «bebé da Guiné Bissau operado em portugal numa operação pioneira».

Temos é de atacar nas condições estruturais que produzem pessoas como as que aparecem nos comentários. Temos é de perceber como construir uma sociedade saudável. Sem ódios. Trabalhar a base do respeito.

Não gosto de bodes expiatórios porque isso permite continuamos a viver na ilusão. A culpa é do Cordes, a culpa é do Joana Rivers, a culpa é de X.

Ódio alimenta ódio. E na blogaysfera com muita pena minha, tenho lido discursos que em tudo são iguais aos homofóbicos. Tivessem essas pessoas no lado do poder, bem poderiam estar os diferentes deles lixados.

Há aqui várias camadas. E o humorista de gosto duvidoso é, para mim, a que menos importa quando olho para a sujidade que foi exposta de ambos os lados da cerca. Em termos gerais (com as devidas excepções que me permitem continuar a viver com alguma esperança) a humanidade não se respeita e a maioria de nós não percebe que não é assim tão diferente dos outros quando nos toca no âmago.

silvestre disse...

@eolo: logicamente estamos apenas a trocar opiniões. podemos perfeitamente ter visões diferentes de um mesmo problema :)

Eolo disse...

@silvestre com isto não digo que valido ameaças de morte e o caraças, ainda estou para perceber o que aconteceu com o Markl. Em relação à blogaysfera, estou na fase do "incomoda-me, não gosto, não sigo, não leio" e deixo os textos para o seu verdadeiro público e não para ranger os dentes.

Tenho plena noção de que a sociedade portuguesa é racista e homofóbica, bem sei que a Sexy Family diz que não e que passeia por Lisboa sem problemas, e por ser racista e homofóbica é que temos que deixar de viver na bolha do "não se passa nada".

A piada passa a ser problemática quando alimenta um problema, a Margaret Cho é bissexual e faz piadas de teor sobre lésbicas que para alguns roçam no mau gosto, não me incomoda porque o público dela não se alimenta de ódio e ela ataca quem é homofóbico ou racista e consecutivamente ninguém gosta dela, faz piadas sobre coreanos ou descendentes de coreanos, não me chateia porque ela faz parte daquela comunidade. Já o senhor não ataca o público homofóbico e racista, a coisa mais gay friendly que o ouvi dizer foi na laia do "se eu tiver um filho homossexual, vai ser o maior a fazer broches e usamos pocket squares a condizer". A Joan Rivers gozava com tudo, mas também gozava com o Trump, a NRA e a lista segue e segue, se não ouviste o livro dela que tem um título "I hate everyone" é um excelente exemplo mas ela nunca foi estandarte do ódio, o RSC sim e (in)conscientemente (vamos dar-lhe uma oportunidade vá) alimenta isso tudo. Já o ouviste quando é confrontado na televisão, em palco, em workshops, tudo aquilo cai por terra e ele não consegue ter um raciocínio que sustente o que ele faz, não denunciei a piada porque nem tive tempo de a ver, mas denunciaria. Com apenas horas do massacre vai falar sobre gays e buracos e buracos novos é mau sentido de oportunidade e é mau sentido de humor quando lês comentários como "morreram 50, podiam morrer 100 não se perdia nada", "era meter lá uma bomba e matar os paneleiros todos".

Se vivesses numa sociedade que não fosse altamente machista, racista e homofóbica talvez o RSC não fosse tão problemático, mas ele não consegue fazer piadas com outros alvos sem ser etnias, cenas queer ou gajas? É uma coisa tipo o ovo e a galinha, ainda por cima quando vives numa comunidade gay que despreza qualquer coisa que não seja straight acting? Porque ser bicha é uma chatice e dá-nos má imagem, na realidade são as bichas que batem o pé, que vão para a rua gritar mas dentro da própria comunidade são ridicularizadas, para não me alongar (ainda) mais, isto está tudo mal e começa na comunidade LGBT+, para a sociedade e afins.

Não me chateio com opinões contrários desde que o objectivo não seja ganhar a bicicleta.

silvestre disse...

@eolo: no caso as nossas opiniões nem são assim tão contrárias. estamos a abordar por pontas diferentes. Com o que vi nos últimos dias acho que ele é um imbecil ou diva ofendida que se acha a última bolacha do pacote do humor.

Vou tentar usar uma metáfora como exemplo. Uma rapariga não pode usar decotes profundos e mini saias a mostrar a nádega se sabe que tem de passar por operários da construção civil todos os dias. Se lhe acontece alguma coisa. A opinião pública vai dizer que ela provocou. O problema não está nela. Mas nas pessoas que assumem que aquilo é uma provocação ou legitimação do comportamento. Eu acho que ela tem o direito de usar o que lhe apetece e como se sente bem.

Um manda-chuva de Hollywood teve sexo com um miúdo de 12 anos porque ele queria. O miúdo até pode ter querido. Mas há princípios fundamentais na nossa sociedade. Mesmo incitado ele devia ter tido discernimento e cumprir com a lei. É um adulto. Mas lógico que este homem não é saudável.

Uma pessoa saudável ignora o Cordes. O valor dele é zero. Pessoas que não são saudáveis usam o Cordes como rastilho. O Cordes é apenas uma desculpa que eles arranjam para destilar o ódio. Podia ser outra coisa qualquer.

Concordo totalmente contigo sobre a sociedade machista, homofóbica, racista. Mas temos de actuar sobre isso sem cortar a liberdade de expressão. Senão o Cordes não pode dizer piadas (que alguém com juízo não alimenta) e a rapariga que gosta de mostrar os peitos no decote não o pode fazer.

Não sei se leste que um certo Pastor Baptista disse que devia celebrar-se o massacre e que eram menos 50 pedófilos e que os gays deviam ser todos mortos. O mundo deveria ser liberto dos sodomitas. Isto é que me assusta (e de novo porque sou um sensível da gaita chorei a ler isso). Esta pessoa também comentaria o Cordes, mas no caso nem o conhece. É este fel que tem de ser combatido. Continuo a achar que o Cordes é um bode expiatório. Ele foi uma racha por onde escapou a líquido purulento da sociedade portuguesa.



O Anfitrião de Lisboa disse...

As discussões são isto mesmo!
P.S. Já me ri muito com o Cordes especialmente com goza com a paneleiragem. :-p

O Anfitrião de Lisboa disse...

Porque sou ...paneleiro.
Se não rirmos de nós...

Magg disse...

Eu acho que o humor é essencial para desconstruir conceitos e preconceitos através da frescura de um novo ponto de vista.

Apesar de abusar, consigo rir-me de determinadas piadas dele.