sexta-feira, junho 20, 2014

O meu irmão mais velho

Tenho apenas um irmão 6 anos mais velho. Hoje é o aniversário dele. Este irmão com quem sempre tive uma relação extremamente difícil obrigou-me a ser uma criança velha, um adulto antes do tempo com um espírito de sobrevivência apurado. Sempre pensei que se não fossemos irmãos seriamos pessoas que nem se falariam, porque não tínhamos nada em comum e tão pouco o desejo de conhecer alguém como o outro. O que nos ligava era a minha mãe e o meu pai. Creio que o amor que desenvolvemos um pelo outro, apesar de dorido, era consequência da evangelização para a importância da família e do sangue. A minha mãe dizia que não havia ligação mais pura do que a nossa. Por ser um "doidivanas" os meus pais esperavam pouco dele, quando tinha algum bom resultado era uma festa em casa. Tudo o que ele fazia de bom merecia celebração. Eu tinha de ser perfeito. Ele entrar para a universidade foi uma festa. Quando eu entrei os meus pais disseram que já sabiam que eu entrava. Eu era responsável, estudioso, trabalhador, etc., etc., etc. Habituei-me a olhar para ele com certa condescendência, mas fui ganhando carinho aquela maluqueira toda. Desde os 13 anos que ele era o meu irmão "mais novo". Quando íamos a qualquer lado a minha mãe dizia «toma conta do teu irmão», como quem diz «vê lá se ele não se mete em sarilhos». 

No dia em que nos graduamos os dois (porque eu apanhei o meu irmão nos estudos). Foi ele que ficou com tudo. Foi para a cama e eu fiquei a ajudar a minha mãe até às 3h da manhã a coser-lhe emblemas na capa apara a bênção do dia seguinte. No dia da bênção as nossas universidades estavam em pólos opostos e os meus pais ficaram com ele. E eu sozinho. Fartei-me de chorar. Ele acabava por ter sempre tudo, fácil. Não me parecia justo. Começamos a trabalhar e foi aí que as coisas mudaram. Foi aí que percebi a dádiva que o meu irmão me tinha dado. O meu irmão ensinou-me na primeira pessoa todos os erros que eu não devia cometer para não lhe acontecer o mesmo que a ele. Desenvolveu-me o espírito de perseverança, instinto de sobrevivência e capacidade de esforço, que eu tanto pratiquei para sobressair aos olhos dos meus pais. A minha vida profissional estava a correr melhor que a dele. Os anos de galhofa e as médias baixas não o ajudaram e ele teve um percurso acidentado. Agora já não era fácil. 

Comecei a gostar mesmo muito do meu irmão ao perceber que de uma forma indirecta foi um dos meus protectores. Às vezes falávamos, e ele dizia «se eu pudesse ter feito as coisas de uma maneira diferente a minha vida era bem melhor agora, mas pelo menos tu viste-me fazer asneiras e a minha estupidez serviu para alguma coisa. O meu irmão puto pode ver o que não se deve fazer e saiu-se bem na vida». E foi assim que o meu irmão me protegeu e me deu muito. Ele sentia-se valorizado por isso. E eu valorizo-o por isso. Além do mais é o meu sangue. O filho dos meus pais. O outro lado da mesma moeda da qual faço parte. E ele é bondoso. Meio abrutalhado, irascível, mas bondoso. Tem um grande coração e é uma alegria onde quer que esteja. Não há ninguém que não tenha uma palavra amiga dele. Os meus pais criaram-nos bem. 

Apesar de tudo ainda não tínhamos muito em comum. Ele achava que eu era de um planeta esquisito onde as pessoas andam sempre cheias de regras e a cumprir coisas e eu achava que ele era de um planeta esquisito onde as pessoas vivem a fantasiar e não fazem ideia do que é a realidade. Isto mudou quando a minha sobrinha nasceu. O meu irmão recebeu uma dose de realidade e mais ou menos pela mesma altura saiu-me um espanhol como namorado para quem tudo tem de ser espontâneo (e que vive em permanente caos de planificação). Encontramos um novo respeito um pelo outro. Algures a meio caminho nasceu uma amizade sincera. Já não é só o amor imposto pelos laços de sangue. É mais do que isso. Eu gostaria de conhecer o meu irmão se ele não fosse meu irmão. E ele a mim. Somos amigos. E eu sou das poucas pessoas a quem ele dá ouvidos. Tento aconselhar o meu irmão o melhor que posso e fico muito contente com cada sucesso. O meu irmão deixou de ser um adolescente (tarde, mas deixou) é um homem. E um homem bom.

Espero que este irmão viva muitos anos. E que este amizade que nos une hoje, para além do amor fraterno, continue a crescer e a ficar mais e mais forte. Amo bastante este irmão. O sentimento é maravilhoso. Espero que a minha mãe ainda ande por aqui pelo menos mais uns 15 anos (já tem 71) para partilhar este amor. Somos uma família pequena, mas não precisamos de mais. Há amor para dar e vender. 

Parabéns ao meu irmão que me deu tanto.





8 comentários:

jmx disse...

Que bela mensagem de parabéns! Ele deve ter ficado orgulhoso!

Ricardo - Uma Outra Face disse...

Até fiquei emocionado, é um texto super sincero e por isso tão belo. :) Parabéns ao mano e a ti

João Roque disse...

Dou-te os parabéns a ti.
É um texto excelente, cheio de amor e ao mesmo tempo comovente.
Apetecia-me partilhar o texto, pois é algo que deve ser lido por toda a gente...
Abraço.

Horatius disse...

"Sempre pensei que se não fossemos irmãos seriamos pessoas que nem se falariam, porque não tínhamos nada em comum e tão pouco o desejo de conhecer alguém como o outro."- Sinto o mesmo em relação à minha irmã. Somos muito diferentes. Contudo, a minha relação com ela ainda não evoluiu para o mesmo que evoluiu a tua com o teu irmão (apesar da nossa realidade ser bastante diferente). Espero que possa evoluir assim um dia.

Anónimo disse...

Obrigado Silvestre por tão belo texto
abraço
João

Davide disse...

Tambem sou o pequeno, e consegui identificar-me, bonito obrigado silver

disse...

Bonito texto.
Acho maravilhoso poder ser amigo, no verdadeiro sentido da palavra, além de ser irmão.
A amizade mais bonita e sincera é aquela que é feita com um laço, muito mais bonita do que com um nó. Estão os dois de Parabéns! ;)

Lobo disse...

Também me emocionei a ler o texto. Adorei. Que bela manifestação de afecto, sincero, puro e verdadeiro. Os parabéns já vão atrasados, mas os parabéns pela relação que tens com o teu irmão ainda vão a tempo.