segunda-feira, agosto 16, 2010

Vamos fazer contas?

Hoje quando estava a chegar a casa e passei em Entrecampos, vi o senhor que vende a Cais no semáforo sentado no chão quase a chorar. No início pensei «é truque», mas entretanto os carros pararam e ele não se levantou. Ficou com a cabeça nos joelhos em cima das revistas.
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Eu nem sei quanto é que custa uma Cais hoje em dia. A realidade é que anda tanta gente a pedir que nos acabamos por refugiar na frase «não podemos dar a toda a gente», o que é verdade. Mas atrás desta frase muita gente acaba por não dar nada a ninguém. E o que para nós é menos uma t-shirt nos saldos ou um maço de tabaco, para outras pessoas é uma refeição e/ou um pedaço de dignidade.
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A vida não está fácil, para muitos. Mas podemos fazer cálculos, ver o que podemos despender. Ajudar uma pessoa por semana ou por mês. Mas ajudar. Somos muitas pessoas e esse pouco que se dá a alguém uma vez por mês somado, multiplicado por muitas pessoas é uma ajuda significativa.
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Também sei que muita gente vai continuar a achar que o dinheiro para o maço de tabaco é mais importante do que matar a fome a uma pessoa, mas tudo bem. Com a consciência dos outros posso eu bem. A minha é que gosto de ver bem tratadinha, impoluta e relaxada à noite quando vai para a caminha.

6 comentários:

Unknown disse...

Tudo o que dizes aqui é verdade e bonito.
Uma vez um pedinte pediu dinheiro ao meu grupo de amigos para matar a fome. O que fizemos?
Compramos-lhe comida. O que ele fez?
Deitou-a fora, irritado, à nossa frente.

Nunca mais dei nada a ninguém.
O problema é que muitas destas pessoas não aceitam ajuda pois querem manter-se à margem, e obviamente o dinheiro é para algo mais que comida.

É triste mas é o mundo que temos.

Mais uma coisa: também deixei de dar comida para o banco alimentar a partir do momento em que o meu melhor amigo, que se voluntariou uma única vez, viu luta de comida nos armazéns, quilos de enlatados e farinhas desperdiçados e levados para casa dos respectivos "voluntários".

silvestre disse...

Olá Vasco, eu tive sempre boas experiências com as pessoas a quem paguei refeições. Aliás, quando insistem demasiado em dinheiro é porque não têm fome (em especial estando perto de um local de venda de comida). Não dou dinheiro vivo a ninguém, a não ser a algumas pessoas idosas.

A pequena soma de que eu falei pode ser em géneros.

Quanto ao banco alimentar há histórias, claro. Mas não vou deixar de dar porque voluntários foram irresponsáveis. Também te posso falar de instituições que recebem comida do banco alimentar e é uma grande ajuda.

E olha a igreja católica matou milhões de pessoas barbaramente, mas as pessoas continuam a ir à missa. Não foram os mesmos padres ;-)

Ricardo Pereira disse...

Olá olá... acho que a igreja não tem nada haver com o assunto pois, para o que aqui importa, a igreja seria um de milhões de exemplos do género possíveis mas que, a meu ver, nada acrescentam ou não à questão de que falas.
Fui eu quem presenciou a situação do banco alimentar e é obvio que temos voluntários e voluntários, eu sou dos que lá está para realmente ajudar e não andar a fazer cenas daquelas.
Já viste o que é eu saber que estou ali em pé, horas a fio, a levar com a má disposição das pessoas, e até insultos de umas outras que me mandam trabalhar a sério e mandar trabalhar as pessoas para quem estou a pedir para, no fim, chegar ao armazém e ver alguns dos responsáveis pela zona a fazerem os seus saquinhos de compras e a escolher os melhores produtos.
Os restantes, alegremente, à luta de comida enquanto destroem pacotes de arroz a jogar à batata quente, comem batatas fritas e bebem refrigerantes enquanto a senhora da limpeza limpa o azeite da garrafa que se partiu quando brincavam com ela antes do pacote de arroz... custa-me muito pois as pessoas deveriam ter a noção do que fazem e respeito pela causa que dão, muito mal, a cara.
Além do mais, já mais que uma vez presenciei coisas do género e deram trabalho desnecessário a quem tem que limpar a porcaria que fazem com a brincadeira.
Não deixei de participar mas nunca mais foi a mesma coisa para mim, no voluntariado da cruz vermelha idem idem, aspas aspas. Ainda o único sitio onde vi verdadeira bondade e responsabilidade foi na sopa dos pobres, na véspera de natal, em Lisboa. Onde, à meia-noite, servimos sopa, refeições quentes, roupa e bolo-rei a quem ia passar o natal sozinho… emociono-me só de recordar a gratidão das pessoas e o que me fizeram sentir naquelas horas.
Em relação a quem pede... sou um pouco como tu mas cada vez menos.
Havia um pedinte na avenida pedonal de Sintra a quem, todos os dias, dava 50cts ou 1€. Ele parecia-me simpático e que realmente precisava… dizia as coisas do costume, que não tinha casa, quase nunca tinha dinheiro para comer e não lhe davam nada, entre outros... até ao dia em que o ouvi dizer a outro que pedia por ali "epah, isto da crise anda memo mal meu, vê lá tu que ainda hoje só fiz 5o euros" e nem ainda uma da tarde era.
Há casos e casos mas, regra geral, àqueles que nunca vi se calhar dou, pelo menos desses não sei a história mas enfim. Contas feitas, sinto que, na maior parte dos casos, quem pede aproveita-se muito da minha boa vontade e da de muitas pessoas. Acho que há outras maneiras de descansar a minha consciência sem, por outro lado, pensar que estou a ser tomado por parvo… porque isso eu não gosto.
Vemo-nos no próximo post ;)

silvestre disse...

Ritchie, imagino a desilusão. Estou também certo que os denunciaste de forma a que não voltem a trazer a sua responsabilidade às campanhas posteriores.

Eu também não gosto de ser tomado por parvo, ninguém gosta. Mas acho que a humanidade está a tornar-se cínica demais, desconfia de tudo.

Quando me pedem dinheiro, pergunto sempre se tem fome. Se tiver pago-lhe comida. Vi sempre as pessoas a comerem com satisfação. O único caso mais estranho foi um senhor que achou esquisito eu estar a pagra-lhe um menu com sobremesa, mas para mim 5 euros não custam e para ele foram a refeição do dia. E não ando todos os dias a pagar refeições, mas ainda tenho algum sentido para destinguir necessitados. Os tóxicos tentam embrulhar-te de toda a maneira e feitio.

Também já fui um Natal mais o Batata distribuir comida pelos sem abrigo porque acho uma estupidez ficar com tantos doces e comida em casa para a engorda, quando há pessoas sem nada. Confesso que não estava preparado para a experiência de encontrar pessoas entre o emocionalemnte desfeito e o alienado. Uma próxima vez irei com uma instituição. Esqueci-me de levar garrafas de água, por exemplo.

Ricardo Pereira disse...

procura numa instituição e inscreve-te porque é bem melhor. não tenho estofo para fazer isso por mim nem saberia onde ir.
ali fica tudo organizado. as zonas onde se destribui a roupa, a zona onde se come, etc. nós temos que servir, limpar e arrumar... de tudo um pouco. é muito gratificante.
em relação à denuncia sabes o que aconteceu? nada... e continuaram a fazer aquilo de ano para ano pois os coordenadores "não tinham nada a apontar do que supervisionaram" nem dos sacos que levaram para casa acrescente-se

silvestre disse...

Há instituições que funcionam bem. E já dizia a minha mãe, «vê lá, se estás a fazer pagar o justo pelo pecador».