quinta-feira, outubro 31, 2013

Saudades

Tenho saudades do meu pai. Porquê? Bom, mais do que a pessoa que ele era (com todos os defeitos e qualidades) tenho saudade do que ele representava. Se fosse vivo fazia 80 anos em Janeiro. E era um homem honesto, amigo e leal. Tenho saudade dessa verdade de sentimentos, mesmo quando era para nos desancar com palavras. Não sabia fingir ou não gostava. Não era um homem de muitas palavras nos afectos. Mas era de ações. E o que prometia era irrevogável.
 
Tenho saudades do meu pai, porque tenho saudades de conviver com essa verdade que homens como ele representavam.  Hoje é tudo muito individualista. As pessoas vivem fechadas em si mesmas, nas suas próprias vidas e interesses. Não há essa generosidade na relação com o outro. O meu pai era presente, não era presente por telefone.
 
Nos últimos tempos tenho-me aborrecido um bocado com as atitudes da família, dos amigos, do namorado. E o erro até pode ser meu. Estou anacrónico. Estou preso a esses ensinamentos do meu pai e um passado em que a palavra tinha um valor absoluto e o gesto era significativo.
 
Tenho dificuldade em não partilhar. E reparo que tenho muita dificuldade em relacionar-me com pessoas que não partilham, que não têm um sentido de conjunto. Aqueles por quem tenho afecto procuro estar com eles, não estou com eles quando a minha agenda se cruza com o caminho deles. Eu incluo-os na minha agenda.
 
Há qualquer coisa de errado à minha volta ou há qualquer coisa de errado comigo. Já abordei aqui várias vezes esta questão. Acho que os desenhos animados do meu tempo só falavam de coisas bonitas e eu acreditei demasiado nessas coisas e o meu pai também teve a sua cota parte. De alguma forma fiquei a achar que ele era uma espécie de herói e levei demasiado a peito isto de ser como ele.
 
Lembro-me que quando eu já era adulto o meu pai estava cansado e a exigir reciprocidade. Era sempre ele que visitava a família, era sempre ele que tomava iniciativas. Mas lembro-me também que ele tinha muitas amizades felizes com pessoas da mesma craveira. Lembro-me de ter muito "amigos irmãos" e pessoas que ele conheceu já com mais de 40 anos.
 
Hoje sinto uma enorme, enorme saudade dele. Porque sabia que ali tudo era verdade. Tudo. É tão bom viver no meio de algo ou com alguém em que se pode confiar totalmente. A mão do meu pai era um castelo. E os tempos em que vivo são tão relativos. Que saudade de alguns valores absolutos.

4 comentários:

Ricardo - Uma Outra Face disse...

:) Tinhas um pai do caraças! E se fores como ele serás também um homem do caraças... Não pares de acreditar nas coisas bonitas dos desenhos animados.
Belo texto.
Abraço

silvestre disse...

@Ricardo: Tinha sim senhor :)

AM disse...

Há frases neste post que são literatura pura.
A mais, apenas acrescento, que te compreendo, não partilhando, contudo, a dor.
E sim, vimos todos desenhos animados demasiado especiais. Mas tinham tanta qualidade humana. O mundo muda.

DIOGO_MAR disse...

As referências incontornáveis jamais se apagam da nossa vida.

http://diogo-mar.blogspot.com/