sexta-feira, dezembro 14, 2012

Concorri ao PIXEL com este texto

Zacarias

Zacarias cresceu sem sorte. A sua vida era um túnel de vento ártico, todos os dias. Pequeno e mirrado sempre lhe disseram que nunca iria a lado nenhum e não foi. Ficou ali mesmo. Nunca saiu da casa onde nasceu, a mesma onde o olhar de resignação dos pais por aquele filho murcho continuava a escorrer por todas as paredes, penetrando-lhe o esqueleto enfezado como humidade cortante. Trabalhava no Zoo como tratador de felinos, por favor do Diretor ao pai e à mãe do Zacarias que ali tinham trabalhado em vida. De tão magro e feio nem os leões o quereriam comer e se quisessem, o mundo não perderia grande coisa. Mandava a lei que andasse sempre com dardos tranquilizantes nas calças, apesar do Diretor do Zoo preferir que fosse comido para poupar o dinheiro dos dardos. A vida arrastava-lhe o corpo numa sobrevivência dormente. Sentado no sofá à espera de ter sono, Zacarias viu cair um papel pela chaminé, «Feliz Natal» dizia. Tinha-se esquecido que hoje era dia 24 de Dezembro. Ouviu a campainha. «O Pai Natal» pensou desinteressado enquanto abria a porta. Algo o projetou contra a parede da sala, depois o chão. Em 10 segundos estava de novo no ar pendurado pelo pescoço «onde está o dinheiro cabrão? Fala ou morres agora!». A mão hercúlea esmagava-lhe a traqueia, «não tenho» disse com dificuldade. A mão gémea daquela vasculhava-lhe as calças. Zacarias não conseguia respirar, ia morrer. Caiu no chão… não ia morrer. O ladrão estava de joelhos, tonto… tombou. «Os dardos» pensou, «picou-se». Zacarias olhou para o corpo enorme no chão. Sentou-se em cima dele. Atou-lhe as mãos enormes atrás das costas e sentiu algo que nunca tinha sentido, uma ereção. Nunca tinha pensado em homens, sequer em sexo. Pensava-se assexuado, será que não era? Estava disposto a descobrir. Puxou as calças do ladrão para baixo, subiu-lhe a camisola até ao pescoço. O corpo dele era magnífico, dorsais vincados, nádegas esféricas cobertas por uma leve penugem dourada, pernas amplas e grossas. Desceu-lhe a mão entre as nádegas, sentiu a humidade, as coxas. A ereção doía-lhe, vulcânica. Tinha de telefonar à polícia. «Depois» pensou. Foi à cozinha buscar manteiga. Era noite de consoada e tinha apetite pela primeira vez.

Tive imenso prazer a escrevê-lo, espero que dê o mesmo prazer a quem o lê.

9 comentários:

Arrakis disse...

Já te dei os parabéns no blog do Sad. É uma história do caraças, deu-me tanto gozo lê-la. =)

m. disse...

uma das melhores, quiçá a melhor, entre a tua e a do namorado...

silvestre disse...

Obrigado! :)
Nem sabia muito bem onde estava a ir. Sabia que queria brincar com um presente inesperado a alguém que não sabia o que era ter um presente. E fluíu assim.

Lobo disse...

Muito boa! Gostei muito! A melhor até agora e das que li!

Sérgio disse...

Para mim foi o melhor de todos os teus contos Pixel.
Fico à espera de saber o que fazes em poesia. Estou mesmo ansioso por isso :)
abc

Wolverine disse...

Até me vieram perguntar o que se passava, porque o final provocou-me muitas gargalhadas =b

What a surprise!

Abraço-te disse...

não concorri desta vez, não tenho tido muito tempo... escapa-me entre os dedos, o tempo!
Ainda não pude ler as outras historias que concorrem!

Mas como te já o disse acerca da ultima historia que concorreste, a qual para mim foi a melhor!

o mesmo digo desta...Muito BEM!!!

Abraço-te

AM disse...

Muito bom.
A melhor.
Tens veia.

Unknown disse...

como sempre, adoro os teus textos. Mas manteiga!!!! ahahaha