domingo, outubro 18, 2009

A tia Elvira

A tia Elvira morreu hoje. Era a última das minhas tias-avó. O meu irmão telefonou a avisar onde ia ser o velório e a minha resposta foi «tenho bilhetes para o DocLisboa, não acho que possa passar por lá». Senti-me mal pela minha resposta. Era a irmã mais nova do meu avô materno, um homem extraordinário, que não iria gostar nada da minha acção se fosse vivo. Mas o convívio não era muito e tenho mágoas com a família da mãe. Não penso que eles têm sido bons familiares para ela, para nós. Não há afecto onde deveria existir e eu não tenho jeito para fingir.
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Isto não invalida que a tia Elvira não faça parte da geração de ouro. Os sete magníficos filhos de uma das bisavós maternas: o sabichão, o belo, o carismático, o poeta, a bela, a simpática e a astuta. Ela era a astuta. Sempre foi uma mulher inteligentíssima. Apesar de analfabeta, conseguia ver um filme em inglês e discuti-lo como se tivesse lido as legendas. E fazer uma quantidade de outras coisas apenas pela observação. Era mesmo astuta, quem lhe deu o cognome não se enganou. Fora este facto, lembro-me de que foi uma excelente avó. Tinha muitos amigos, era muito brincalhona e adorava fazer noitadas até às tantas da manhã nas casas de fado no Bairro Alto, prática que manteve até aos 70 e poucos anos. Teve uma boa vida, teve um grande amor, teve netos e bisnetos, teve uma vida cheia. Fico feliz por isso.
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Não éramos próximos, não a via há uns 7 anos, mas hoje é um dia de luto e se eu fosse ao velório ou ao funeral não ia conseguir deixar de dizer a algumas pessoas que vão estar presentes que não se têm portado bem. Assim sendo, é melhor que fique por casa. A minha mãe e o meu irmão estarão lá a representar a família. Não deixo de ficar triste por não sentir vontade em ir, por não ter vontade de ver ninguém que pudesse lá encontrar, por me sentir demasiado desiludido com eles.

5 comentários:

Dissidente Fofinho disse...

É feio dizer-se que se tem bilhetes para o Doc e que deixar para o plano secundário a morte de um familiar, mas pelo menos vale o facto de assumires isso e até de o escrever num espaço de acesso público.

silvestre disse...

Pois. Eu também fiquei com essa impressão de que era feio, mas pior é a tristeza inerente de não sentir afecto por uma parte significativa da família de sangue.

Menino Das Pestanas disse...

do meu ponto de vista não tens de te sentir mal nem culpado por não teres vontade de ir. De onde não há (afecto) não de pode tirar. Para além de que a família colateral é quase sempre um dano colateral.

Provocação 'aka' Menina Ção disse...

As desilusões familiares são sempre as piores. tenho aquela ideia de núcleo, de matilha e custa-me muito a ideia da dureza que é deixarem-nos cair e pior, obrigarem-nos a sentirmos alguma vergonha das atitudes deles. De nos sentirmos mal por falhas deles. É que quando sofremos por alguém que não família, há um lado que diz: falha minha, não devia ter incluido esta pessoa, mas eles já estão incluidos à partida e é muito difícil activar o mecanismo que os desactiva, é uma proeza ao estilo de um Bond dos anos 70, com direito a estadia em ilhas desertas e escaladas a picos montanhosos de ar rarefeito. É muito duro.

Rui Clemente disse...

Dissidente Fofinho: que tal pôr os julgamentos de parte?