Era uma vez o Rómulo e a Ana. São grandes amigos há 22 anos. Quase nunca se falam. É estranho. Três vezes por ano telefonam-se. Nos bons anos. Tendo sido assim há uns 14 anos. Marca-se o ponto no aniversário dele, no aniversário dela e no Natal. O ano passado não foi um bom ano. Não se falaram no Natal, nem nos aniversários. Trocaram-se mensagens de texto. Vagas, aparentemente vazias. Cada um tem a sua vida. Nenhum coloca em causa a amizade do outro. Mas há a distância, sempre a distância. O Rómulo e a Ana têm vidas cheias. Passam o tempo rodeados de dezenas de amigos e não têm tempo para mais nada do que para esses amigos que ocupam o mesmo espaço físico. O Rómulo decidiu telefonar à Ana há pouco tempo. A Ana ficou imensamente feliz. Tinha uma coisa importante a acontecer com ela e não tinha um único amigo a quem contar. Talvez tivesse, mas nenhum amigo a quem confiar coisas realmente importantes. A vida da Ana é imediata. Ela vive-a imediatamente. As coisas sólidas e perenes vivem discretamente por baixo dessa película. É como se a camisola preferida fosse ficando lentamente mais funda dentro de uma gaveta aberta a correr todos os dias. Nessa pressa frenética da mão dentro da gaveta, puxou-se uma manga da camisola. O Rómulo telefonou. Vai ser vestida a camisola. Nada ficará tão bem à Ana. Vai ser lavada, arrumada na gaveta e, de novo, irá desaparecer lentamente. Até ao próximo encontro até ao próximo telefonema. O Rómulo e a Ana são amigos há 22 anos. Nada fica tão bem à Ana.
1 comentário:
Gostei... :)
AR
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